Truques e ilusões dos gays maduros e idosos

Faz algum tempo que este post está nos meus arquivos. Acho que ele esperava o momento certo para ser publicado. Aliás, eu é que esperava o momento certo, porque ele, o post, não tem vontade própria.

Depois da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que a união entre pessoas do mesmo sexo deve ser reconhecida como entidade familiar, todo mundo está querendo sair do armário, ou melhor, assumindo suas relações homo afetivas, registrando em cartório, etc. Tudo isso é muito legal, mas ao mesmo tempo em que tudo isso acontece existe um contingente de gays que estão do outro lado da ponte – Os maduros e idosos. – sem nenhuma perspectiva de mudanças.

O meu ponto de vista sobre assumir a homossexualidade é bastante radical. Pra mim não existe essa de sair do armário, porque o que serve para mim pode não servir para você. Sair do armário é legal na juventude, quando você não tem nada a perder, acredita no mundo e ainda tem a vida inteira para sofrer todas as consequências impostas pela sociedade.

Para os gays maduros e os idosos é muito difícil assumir a velhice, imagine então, assumir a homossexualidade!

Sair do armário é coisa de americano – Coming Out of the Closet.
Inclusive, o dia de sair do armário é comemorado nos Estados Unidos há vinte anos. Em terras tupiniquins é novidade, portanto, muito recente para os gays brasileiros e uma utopia para os gays maduros ou idosos.
Quem em sã consciência vai sair do armário aos 50, 60 ou 70 anos? Vale a pena?

Assumir publicamente a homossexualidade é difícil e ninguém informa à população que milhares de jovens gays que estão saindo do armário são expulsos de casa ou sofrem violência psicológica dentro da própria família.

O grande teatro funciona assim: durante a vida nos travestimos de heterossexuais e assumimos posturas que a sociedade espera de nós como homens. O tempo passa e nos acostumamos com nossas interpretações, assimilamos todas as técnicas das artes cênicas e nos tornamos verdadeiros artistas.
Eu comparo o gay com um grande artista atuando diariamente nos palcos dos teatros da vida. As tragédias e comédias do cotidiano são representadas com profissionalismo e magia. Somos mestres na arte do ilusionismo, dos truques e dos disfarces.

Você se lembra quantas vezes você interpretou para os seus parentes, amigos e colegas de trabalho?
Pois é, ao longo dos anos os gays acumulam milhas e milhas de experiência na arte de interpretar, principalmente na arte da ilusão e do disfarce.
O principal disfarce é travestir-se de heterossexual e desse gênero surgem outros personagens comuns.
A principal ilusão é transformar as situações do cotidiano em coisas reais e até nós acreditamos nessas ilusões.

Além de exímios na arte de interpretar somos também experts em desculpas e mentiras. O mundo é uma grande mentira e nossas mentiras são defesas contra uma sociedade hipócrita, ou melhor, uma plateia ávida por interpretações grandiosas e nela a mentira é apenas uma das técnicas das artes cênicas. É um faz-de-contas. Temos também, muitos críticos loucos como os Malafaias e os Bolsonaros da vida.

Quantas vezes você mentiu sobre situações do cotidiano relacionadas com sexo e gênero?
Os gays jovens e tímidos preferem artimanhas que os identifiquem como NERDS, mas não como gays – Outro dia ouvi um rapaz dizer na fila do cinema: Todo NERD é viado!
Também, somos exímios observadores de nós mesmos. Olhamos no espelho e procuramos sinais que nos denuncie como gay e passamos horas e horas corrigindo posturas e gestos.
O nosso cotidiano é recheado de novos personagens que são adicionados à nossa biblioteca de interpretações.

Tente lembrar: Quantas vezes as pessoas perguntaram: Você não tem namorada?
Essa era uma pergunta que te deixava sempre numa “sinuca de bico”, mas você se preparou a vida inteira para ter a resposta na ponta da língua.
Esse foi o seu maior trunfo, ter as respostas na ponta da língua, mais as desculpas e as escapadas da turma da faculdade que insistia em fazer festa no motel. Aqueles gays que aceitaram o desafio foram levados ao sexo frio e sem motivação, apenas para provar que eram homens – Tudo muito vazio e sem sentido.

Na minha adolescência eu gostava de ser o “homem sorvete”. Quando menos se esperava eu simplesmente sumia de cena sem deixar rastros, literalmente, derretia, sumia, “vazava” como dizem os jovens.

Ao final de uma década já não sabemos distinguir se estamos interpretando ou não. Ao final de três décadas não existem muitos rastros da nossa verdadeira personalidade e após cinquenta anos de vida, o nosso verdadeiro EU desapareceu e ai eu posso ser qualquer personagem.
O chefe ou o colega mal humorado no escritório, o vizinho chato, o cara calado nas reuniões sociais, o sujeito que odeia barulho e gritos de crianças ou o idoso que vive sozinho no apartamento ao lado.
O que não percebemos é que o tempo passou e a sociedade se acostumou com nossas magistrais interpretações.

Para os jovens da atualidade, é comum interpretar personagem gay, porque ser gay é sucesso de bilheteria e audiência garantida na TV. Hoje os gays estão interpretando eles mesmos, nos Big Brothers da vida e isso é tão chato e caricato.

Interpretamos durante a vida com brilho e profissionalismo centenas de personagens, todos menos o “gay”.

Mas, então… a velhice chega e você não percebe a transformação de todos os truques e disfarces usados ao longo da sua existência. Aos poucos um único personagem toma conta da sua vida: O homem invisível!
Esse nem mesmo o mestre do ilusionismo David Copperfield consegue superar, porque você se tornou insuperável como ator e se tornou o Rei dos Truques e Disfarces – o Grande Ilusionista.

Muitas pedras ainda vão rolar.
A decisão do Supremo foi apenas o início de um processo de mudanças, porque no Congresso Nacional existem milhares de coisas paradas há mais de 15 anos.
Nesses anos os gays envelheceram, outros morreram, sumiram da face da terra sem ter vivenciado a plenitude da liberdade, da sexualidade e dos seus direitos como cidadãos e seres humanos.

Um triste fim, ao grande ilusionista de nós mesmos!

Enquanto isso….um raio de luz e esperança surge no fundo do palco e a juventude gay não vai mais interpretar os personagens que tão bem conhecemos e finalmente poderá no futuro viver uma velhice digna, sem castrações, sem traumas e sem armários.

8 comentários em “Truques e ilusões dos gays maduros e idosos

  1. Eu estava pesquisando algumas coisas na internet e vi este post. Sou gay não assumido e não sou tão velho; tenho 31 anos mas esse seu texto foi um tapa de luva na cara, sabe quando uma pessoa diz; “a carapuça serviu?”.
    Estou escrevendo esse comentário depois de meia hora de reflexão, parece que o artigo foi feito diretamente para mim.
    Parabéns pelo texto! a partir de hoje vou refletir se realmente devo continuar trocando a minha felicidade por uma aparência “correta” diante dos outros!!!

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    1. Iran
      O interessante é que quando eu escrevi este artigo a ideia que veio na minha cabeça foi justamente mostrar aos jovens como é difícil assumir a homossexualidade e quais são as consequências de vivermos no armário e como isso pode ser prejudicial na fase adulta e na velhice.
      abraço
      Regis

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  2. este post, me chocou…. é a mais pura verdade….
    As máscaras grudam com o rosto e aí se perde a identidade, anos desperdiçados, sonhos, muito triste mais é tudo isso verdade. Nem sei o ke falar
    Ouçam a música sonhos de um palhaço do antonio marcos é a cara deste post.

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  3. Olá achei mto interessante o seu texto. Sou hetero e nunca tinha parado para pensar como é dificil pra vcs ter que estar sempre se policiando, se colocar em papel para para poderem ser aceitos. Realmente deve ser mto dificil! Acho que o único problema em relação a isso, é que alguns gays para se manterem no papel de hetero dão em cima de pessoas que sabidamente são heteros e acabam se envolvendo emocionalmente e depois sofrem porque se sentem usadas. Acho que isso não é legal. No mais espero que vcs possam ter os seus direitos assegurados logo, pois a homossexualidade é apenas uma opção dentre tantas possiveis. Abraços

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  4. Sou espírita há 37 anos e me sinto muito feliz. Jamais fui discriminado no centro espírita que frequento: Nossa Casa, em Porto Alegre. Ali sou um dos coordenadores dos passes magnéticos. Percebo que a doutrina de Kardec não condena a homossexualidade, mas nos convida a que a encaremos como uma ferramenta para nossa evolução, em todos os sentidos, educando nossos sentimentos para o afeto e para o uso do sexo de uma forma equilibrada, sem ferir os sentimentos e as emoções dos parceiros, eventuais ou constantes. Não sinto nenhum peso em ser espírita e homossexual, ao mesmo tempo. Pelo contrário. Há centros espíritas e quem professe a doutrina com perfis conservadores, distantes da visão contemporânea de religião e sexualidade.Não é o Espiritismo que está errado, com essa miopia, mas essas pessoas e instituições que o interpretam segundo crenças retrógradas e nefastas ao bem-estar e à felicidade do ser humano. Parabéns, Régis, pelos teus comentários. São excelentes e nos ajudam muito.

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  5. Oi Regis, querido! Quanto tempo! Como vai?
    Ando ausente nos coments mas sempre dou uma olhada nos seus escritos.
    Bem, estou escrevendo para dizer a você que mencionei seu nome na dedicatória do meu próximo livro, que deve ser lançado mês que vem. Chama-se “Águas Cálidas”.
    Não nos conhecemos pessoalmente ainda, mas guardei com muito carinho este texto (https://grisalhos.wordpress.com/2010/08/06/gays-maduros-lidando-com-separacoes/) que vc dedicou a mim em certa ocasião. Foi um ensinamento tão válido que se transformou numa das principais mensagens da história, senão a principal.
    É isso. Quando lançar, eu te aviso!
    Obrigado, beijo grande e muito sucesso na sua vida sempre 😉

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    1. Oi Kiko

      Estou em Brasilia e fiquei muito feliz pelo comentário e por esta notícia boa.
      Eu desejo de coração que o seu livro seja um sucesso! Me avisa sim, que terei imenso prazer de adquirir alguns exemplares autografados por você, para divulgar o seu trabalho que é excelente, bem como, presentear alguns amigos.
      Ainda não nos conhecemos pessoalmente, mas tanto as minhas como as suas experîências de vida nos tornam pessoal únicas.
      Eu também aprendo muito com os seus escritos.

      Beijos
      Regis

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