Nunca é tarde demais: Orgulho na terceira idade

Caro leitor, o artigo a seguir foi publicado na área de diversidade da UNESP – Universidade Estadual Paulista. Vale a leitura.

No dia 28 de junho de 1969, o mundo foi para sempre impactado pela Rebelião de Stonewall. Naquele dia, a comunidade se uniu em diversas manifestações contra o ataque da polícia em Stonewall Inn, bar gay localizado em Nova York, Estados Unidos. Desde então, Junho foi considerado o mês do orgulho LGBTQIAPN+, e a evolução dos direitos desse grupo vem crescendo com o passar dos anos.

Aos poucos, pessoas não heterossexuais assumidas foram ganhando espaço nas telas, no mercado de trabalho, nas escolas e faculdades. Em 2019, no Brasil, a homofobia e a transfobia foram criminalizadas ao entrarem no mesmo artigo que penaliza atos de racismo. No mundo, o país foi o 43º a transformar em ilegal atos homofóbicos.

Apesar dos avanços, o grupo ainda sofre diariamente com o preconceito estruturalizado em nossa sociedade. E, dentro da comunidade, uma parcela carrega com mais peso as dificuldades de ser homoafetivo: os idosos. Vindo de um período ainda mais homofóbico, pessoas da terceira idade – a partir dos 60 anos, segundo a OMS – tem maior dificuldade de se assumirem e se sentirem parte da sigla LGBTQIAPN+.

Pouco se falava sobre pessoas não cisgênero a anos atrás. Por isso sempre foi tão difícil para que este grupo se entendesse. Laerte Coutinho, famosa chargista e cartunista, tem 70 anos e uma história de aceitação e luta. “A mulher tem um lugar histórico, social, que é muito claro, muito nítido. E a população trans, transgênero, tem um lugar que é distinto desse”, explica.

E se hoje já é difícil para os jovens homossexuais entenderem sua sexualidade e terem confiança para não escondê-la, era mil vezes mais complicado no passado. Isso porque, atualmente, existe uma maior rede de acolhimento a este grupo. A internet surgiu, e com ela pessoas LGBTQIAPN+ do mundo todo puderam se conectar e aumentar a sua voz. Indivíduos da comunidade protagonizam grandes produções audiovisuais modernas que bombam nas plataformas onlines. Existe representatividade. Antes, porém, não existia.

Tudo isso causa um afastamento das pessoas de terceira idade com o resto do grupo. Autor do espetáculo Homens Pink, que celebra o orgulho da ancestralidade LGBTQIAPN+, Renato Turnes comenta sobre a solidão do idoso dentro da comunidade: “Assim como toda a sociedade, eles também são atingidos por não estarem mais nos padrões de beleza de consumo”.

A verdade é que existe uma segregação dos idosos quando o assunto é a respeito da sua sexualidade, com a ideia de que são todos incapazes de sentir desejos e ter uma vida sexual ativa. Sem espaço para falar sobre esses temas, cai no esquecimento as vontades que esse grupo sente, seus sentimentos de atração por outras pessoas, que podem ser também do mesmo gênero.

Em 2020, viralizou no twitter uma thread que compartilhava a história de Otto Santo. Idoso gay que teve um romance com outro homem, ele compartilha para a revista Claudia como foi difícil viver sua história de amor. Quando perdeu seu parceiro, Otto conta que não pode nem viver seu luto, uma vez que sua família não respeitava seus sentimentos. “O luto LGBT é tão violento que consegue cortar a tristeza com faca pra poder passar. Poucas vezes você tem alguém que te estende a mão. Temos os mesmos problemas de uma pessoa hétero, mas somos invisiveis”, lamenta.

Mesmo com o triste final, Otto conseguiu algo raro: viver um amor homoafetivo na terceira idade. Na série Grace and Frankie, os personagens Robert e Sol decidem, no auge da velhice, se separar de suas devidas esposas para poderem ficar juntos. A sitcom trata com a leveza da comédia essa situação atípica que, com toda coragem representada nas telas, dificilmente vem a acontecer na vida real. Isso porque é muito mais difícil, perigoso até, tomar tal decisão. A dura verdade pode ser vista na história de Otto e seu parceiro Mauro.

Otto (a direita) e Mauro compartilharam 33 anos juntos. (Foto: Otto Santo/Arquivo pessoal)

A solidão que acompanha idosos da comunidade é mais um risco que correm por serem gays. Além de, em 2022, o Brasil ser o país que mais mata LGBTQIAPN+ pelo quarto ano consecutivo, é preciso apontar o fato de que 7,3% da população idosa da comunidade já tentou cometer suicidio, segundo apontamento do psicólogo Andrew Solomon. São vidas frágeis que correm constante ameaça, por outros e por si próprios.

Idosos transexuais também vivem com medo. Carlota, mulher trans de 67 anos, conta em entrevista que nunca imaginou chegar viva até onde chegou. Isso porque cresceu vendo amigas serem levadas por assassinato ou Aids. No Brasil, foram mais de 4 mil mortes de pessoas trans e travestis, dos anos de 2008 até 2021.

Para contrariar números e garantir uma maior segurança e qualidade de vida para esses grupos, aos poucos as iniciativas vão surgindo. Em Recife, o instituto boa vista promove, juntamente ao Conselho Municipal da Pessoa Idosa, encontros de homens gays e bissexuais acima dos 50 anos. O objetivo é criar um espaço harmonioso para uma roda de conversa e troca de experiências desses idosos.

Em São Paulo, houve a primeira iniciativa para idosos LGBTQIAPN+ no Brasil. A organização voluntária Eternamente Sou conta com um programa que já ajudou mais de 500 idosos, promovendo encontros de socialização e oferecendo assistência a esse grupo. É na conversa e no compartilhamento de histórias que esse grupo encontra o seu conforto.

Apesar de junho ser oficialmente o mês do orgulho, é preciso relembrar desse grupo diariamente e não os deixar esquecer que cada sentimento deles é válido. Pessoas idosas também são gays, bissexuais, lésbicas, pansexuais e todas as siglas do LGBTQIAPN+. E todas devem viver sua verdade, mesmo que apenas agora. Nunca é tarde para se orgulhar de ser quem é.

Créditos

Texto elaborado por Mariana Fabiano, colaboradora do Educando para a Diversidade.

Gays idosos invisiveis na sociedade

Caro leitor, o tema em referência diz respeito à falta de informações em cadastros nacionais, estaduais ou municipais sobre os gays idosos em geral e também estudos acadêmicos de repercussão nacional. Informações sobre idade, saúde, status sexual (solteiro, com companheiro ou casado), bem como dados sociodemográficos divulgados no artigo anterior de 04 de janeiro de 2023, trazem à luz os reais problemas enfrentados pela população da terceira idade.

Pela primeira vez, em 2010, o Censo Demográfico identificou e enumerou a quantidade de relações homoafetivas. Naquela época, mais de 60 mil casais homoafetivos viviam juntos no Brasil. Este é um dos poucos dados oficiais que fazem um levantamento sobre a população LGBT no Brasil. Grande parte desses 60 mil casais eram de idosos.

No próximo Censo que está em curso cujo resultado será divulgado ao longo deste ano veremos além desta informação outros dados porque a pesquisa foi ampliada

Dessa forma, a ausência de dados e conhecimento sobre essa população põe em risco o envelhecimento saudável, levando em consideração necessidades; experiências específicas permanecem, em grande parte, desconhecidas.

Em maio de 2021, foi realizada uma audiência pública na comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados sobre a necessidade de políticas para garantir um envelhecimento com qualidade para a população LGBT. Como falamos anteriormente, o tema une um duplo preconceito: contra os mais velhos e contra os homossexuais.

Entre as pautas discutidas, foi salientada a discriminação nas Instituições de Longa Permanência de Idosos. Um dado apresentado pelo especialista em Gerontologia Diego Félix informou que, de 100 entidades consultadas em São Paulo, só uma identificou um gay entre os residentes e ele estava sofrendo violência por parte dos outros idosos. Isto apenas reforça a resistência dos gays idosos de se mudar para esses locais.

As ILPIs são instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas ao domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar e em condições de liberdade, dignidade e cidadania.

As clínicas e residências geriátricas também estão contempladas no regulamento sobre as Instituições de Longa Permanência de Idosos, no entanto, essas instituições fornecem cuidados médicos, que são atividades caracterizadas como serviços de saúde.

Caro leitor, se você perguntar a qualquer gay de qualquer idade sobre essas instituições, possivelmente a quase totalidade jamais ouviu falar delas. Nem mesmo os idosos se aprofundam no conhecimento dessa rede de suporte.

Quando tratamos do idoso homossexual, existe uma complexidade de fatores discriminatórios, como, por exemplo, o fato de que a maioria desses indivíduos foi expulso de casa e perdeu a rede de suporte que é a família. A solidão tem um grande impacto no bem-estar do idoso e, na ausência de cônjuges e filhos, a rede de proteção deste indivíduo diminui, restringindo-se quase, exclusivamente, entre poucos amigos, conhecidos ou vizinhos.

Deve-se levar em consideração também que os homossexuais idosos de hoje internalizaram, de certa forma, atitudes e crenças culturais negativas, submetidos a opressão e desvalorização de si mesmo. O resultado disso é a saúde mental fragilizada. Adicionalmente, em muitos casos, o cenário de abandono por parte de familiares e amigos favorece o desenvolvimento de depressão.

Além disso, essa população enfrenta maiores dificuldades no serviço público de saúde, com a falta de preparo no atendimento e os preconceitos da maioria dos profissionais.

sexualidade na terceira idade é um tema tabu e rodeado de preconceitos. Contudo, a atividade sexual nesta etapa da vida deve ser percebida como natural e saudável para evitar transtornos ao indivíduo. Dessa forma, falar abertamente sobre o tema e a prevenção sexual possibilita que o envelhecimento seja com conforto e segurança.

Não há registro escrito sobre o comportamento sexual dos gays na terceira idade e poucas informações são obtidas através do contato com os poucos idosos que se aventuram em bares e locais de frequência de homossexuais.

Em algumas localidades existem algumas poucas áreas de socialização entre os idosos e mesmo assim a convivência social é restrita porque os idosos não se permitem invasão de privacidade.

Prezado leitor, três perguntas: Você tem muitas amizades? como é a sua rede de relacionamento? como você interage com os gays idosos?

Com base na resposta dessas perguntas é possível identificar algumas informações que não aparecem em lugar nenhum, além de comprovar o que nem pensamos, ou seja, o meu comportamento enquanto gay idoso não é diferente da maioria dos homossexuais da minha geração.

O que os gays pensam sobre a velhice

Caro leitor, neste blog eu trato de temas quase que exclusivos para os gays da terceira idade. Eu sei que aqui o público é variado e nas leituras predominam os artigos sobre sexo, mas eu procuro diversificar os temas para ser abrangente no universo homossexual masculino.

Recentemente eu participei de uma pesquisa para um trabalho acadêmico e recebi um retorno sobre os resultados do trabalho. Dai surgiu a ideia de trazer para este artigo o que os gays de todas as idades, classes e tipos pensam sobre a velhice dos homossexuais, eis algumas opiniões:

  • Parece que envelhecer na comunidade gay é crime;
  • Envelhecer é um fator bem problemático;
  • É difícil porque há fatores externos e preconceitos e manter a saúde mental em dia ajuda porque todos que chegam na terceira idade tem o direito de envelhecer bem;
  • Envelhecer é crime para aqueles que objetificam as pessoas;
  • Pior para os gays é quando você se relaciona com alguém mais velho e fora do padrão;
  • Sempre curti os mais velhos, mas percebo que sempre olhamos o que vemos e não o que compõe a vida da pessoa;
  • A velhice gay sempre foi algo indesejado e sinônimo de algo que perdeu a utilidade. Ser bicha velha é pior ainda, é ser ainda mais vulnerável. Num grupo que exalta a juventude e a beleza, ser velho é e sempre foi inaceitável;
  • Os mais jovens pensam que não vão envelhecer, portanto, o preconceito começa dentro do próprio grupo e quando envelhecem pensam que ainda são jovens e descartam os seus pares;
  • Ficar velho e não ter mais o corpo padrão, sarado, musculoso e másculo não tem mais vez no mercado do sexo e do amor homossexual;
  • Os idosos relaxam, se excluem, fogem da academia, comem demais, ficam doentes com facilidade e perdem o viço;
  • Pior do que ser idoso, é ser velho e com deficiência física e isso traz o distanciamento social, a exclusão e problemas psicológicos incuráveis, a vida deixa de ter a beleza natural do envelhecimento;
  • A maioria ainda pensa que não vai envelhecer e cria utopias e fantasias contra o envelhecimento;
  • Desprezar os gays mais velhos é homofobia internalizada;
  • Lamento o preconceito contra os idosos, pois chegar na maturidade e aceitar a velhice é questão de humanidade, logo uma turma de jovens gays é tóxica ao ponto de muitos cometerem suicídio;
  • A vida ensina que envelhecer é sinônimo de maturidade, vivências e histórias. Colecionamos na velhice tudo o que vivemos, com situações boas e ruins e isso nos molda e nos prepara para a terceira idade. Quantos gays não tem a chance de chegar aos 60 anos?;
  • Mesmo com a evolução das sociedades ocidentais, eu vejo a comunidade gay atual menos sadia do que as anteriores;
  • Para os gays não é apenas questão de envelhecer, mas estar fora do padrão imposto pela maioria e o envelhecimento é apenas um dos quesitos para a exclusão;
  • A eterna juventude é sonho inalcançável. Hoje envelhecer jovem implica em ter dinheiro para tratamentos estéticos mantendo o padrão definido a partir do seculo XXI;
  • Somente não envelhece quem morre e foda-se as novinhas;
  • Não é apenas questão de envelhecimento, mas também do branco padrão carregado de esteriótipos latinos. Tudo muito vazio e sem sentimento;
  • A velhice é sinônimo de preconceito e falar de preconceito entre os gays chega a ser ironia. Não querem velhos e não percebem que estão envelhecendo e se esquecem de se preparar para o futuro;
  • As pessoas deixaram de ser observadoras e vivem em mundos paralelos. Hoje são novinhas e amanhã bichas velhas, simples assim;
  • Felizmente a velhice existe como a ultima etapa da vida para coroar tudo o que construímos neste mundo, tanto para nós como para outras pessoas. As lésbicas idosas sofrem menos na velhice porque priorizam o relacionamento, enquanto os gays não querem deixar o mundo de Peter Pan;
  • Infelizmente você precisa envelhecer rico e sarado, senão você é excluído;
  • Envelhecer é castigo do universo para punir os seres humanos;
  • Na velhice se for pobre e feio é sentença de morte lenta ou sentença de inutilidade;
  • Na comunidade a questão de idade é cruel, você passa a ser segregado e invisível a partir dos 40 anos. Quem não morrer antes constatará os fatos;

Caro leitor, conforme pode ser constatado a maioria dos relatos trazem à luz as preocupações com a velhice, o preconceito e os padrões impostos na comunidade gay. Os depoimentos são de gays entre 25 e 70 anos.

Se você fizer uma pesquisa daqui a 20 anos, vai perceber que pouca coisa mudou ou talvez até ficou pior, porque a evolução passa longe da tolerância em um mundo individualista e automatizado.

Bem-vindo dezembro! 😎