Livro: Devassos no Paraíso – 4ª edição

devessos no paraisoCaro leitor, finalmente depois de 18 anos, está pronta a 4ª edição do livro Devassos no Paraíso – A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade.

Esta nova edição foi revisada e atualizada, portanto, quem não tem, corra porque o lançamento está previsto para agosto/2018 e poderá ser adquirido nas tradicionais livrarias online do Brasil e tem até edição digital.

Vale lembrar que a primeira edição é de 1986 e a última é de 2000, e todas as edições anteriores estão esgotadas. Ver artigo de 2010

Comentários de Peter Burton, Gay Times:

O livro mais completo sobre a história da homossexualidade brasileira, em edição revista e ampliada.

Num frutífero diálogo com diversos campos de conhecimento e expressões de nossa cultura — o cinema, o teatro, a política, a história, a medicina, a psicologia, o direito, a literatura, as artes plásticas etc. —, João Silvério Trevisan constrói o mais completo estudo sobre a homoafetividade no Brasil.

Considerado um clássico, Devassos no Paraíso passou por mais de uma geração, provocou intensa interlocução com a comunidade LGBT e influenciou desde ações emancipatórias até novos estudos e abordagens sobre gênero e sexualidade.

Agora, esse monumental trabalho chega à sua quarta edição trazendo mais capítulos, imagens e texto atualizado sobre as lutas e conquistas dos direitos LGBT ocorridas no século XXI.

O Tabu da homossexualidade é um dos mais sólidos entraves morais de nossa sociedade. Ativista pioneiro do movimento LGBT, João Silvério produziu uma obra apaixonada e engajada porque acredita que, assim como cada discurso homofóbico alimenta a violência e a intolerância, toda consciência que se movimenta em busca da emancipação inspira outras consciências. E Será desse jeito que uma sociedade mais justa e menos homofóbica surgirá.

“Devassos no paraíso é, ao mesmo tempo, sério, informativo e divertido.”

Conto: O Menino do Gouveia

menino do gouveia
Foto da Fundação Biblioteca Nacional

Caro leitor, eu descobri este conto vasculhando as obras de James Green. Recentemente adquiri um exemplar do seu livro raro chamado Frescos Trópicos – Fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870 – 1980) em parceria com Ronald Polito.

De acordo com os pesquisadores e autores do livro, é considerado o primeiro conto erótico gay publicado no Brasil, editado pela revista Rio Nu, em 1914 e assinado por Capadócio Maluco, um pseudônimo. Na época Gouveia era a gíria para homens velhos que se relacionavam sexualmente com garotões.

O menino do Gouveia

Estendido junto a mim na cama suspirativa do chateau, depois de ter sido enrabado duas vezes, tendo na mão macia e profissional a minha respeitável porra, em que fazia umas carícias aperitivas, o menino do Gouveia, isto é, o Bembem, contou-me pitorescamente a sua história com todos os não-me-bulas de sua voz suave de puto matriculado.

– Eu lhe conto. Eu tomo dentro por vocação; nasci para isso como outros nascem para músicos, militares, poetas ou até políticos. Parece que quando me estavam fazendo, minha mãe, no momento da estocada final, peidou-se, de modo que teve todos os gostos no cu e eu herdei também o fato de sentir todos os meus prazeres na bunda.

Quando cheguei aos meus treze para catorze anos, em que todos os rapazes têm uma curiosidade enorme em ver uma mulher nua, ou pelo menos um pedaço de coxa, um seio ou outra parte do corpo feminino, eu andava a espreitar a ocasião em que algum criado, ou mesmo meu tio, ia mijar, para deliciar-me com o espetáculo de um caralho de um homem.

Não sei por que era, eu sentia uma atração enorme para o instrumento de meus prazeres futuros.

Havia então, entre os empregados, um que possuía uma parativelas que era mesmo um primor de grossura e comprimento, fora a cabeçorra formidável. Uma destas picas que nos consolam até a alma!

Entretanto, o que mais aguçava a minha curiosidade e me dava um desejo insofrível, era poder ver a porra de meu tio. Este, porém, era muito cauteloso, e jamais ia satisfazer as suas necessidades sem trancar a porta da privada, ficando eu deste modo com o único recurso de calcular e julgar, pelo volume que lhe via na perna esquerda, as dimensões do seu mangalho que parecia ser colossal.

Um dia em que ele e titia foram à cidade muni-me de uma verruma e fiz na porta do quarto dos mesmos uma série de buracos dispostos de maneira que eu pudesse observar todos os movimentos noturnos.

– Confesso, Capadócio Maluco – acrescentou o Bembem, aumentando o movimento punhetal que vinha fazendo na minha pica -, que nem uma só vez me passou pela cabeça a idéia de que ia ver a titia nua ou quase nua. O meu único pensamento era poder apreciar ereto o membro viril do titio.

Nessa noite, mal nos recolhemos aos dormitórios, eu fui postar-me, metido na comprida camisola de dormir, na porta e com os olhos pregados nos furos previamente feitos.

Parece, porém, que o casal não tinha pressa nenhuma em se foder ou então ambos andavam fartos, pois meu tio, em camisa de meia, sem tirar as calças, sentou a ler um livrinho que depois eu souber ser da Coleção Amorosa do Rio Nu, enquanto minha tia, em mangas de camisa, principiou uma temível caçada a algumas pulgas teimosas.

Se eu gostasse de mulher, teria me deliciado vendo, nos movimentos bruscos da caçada, os seios da moça, que eram alvíssimos, de bicos vermelhos, redondos e rijos como se ela ainda fosse cabaçuda; porém todo o meu prazer, toda a minha curiosidade, estavam entre as pernas do tio, no seu caralho, cuja lembrança me punha comichões na bunda.

Afinal, ela parece que cansou na perseguição dos pequenos animais, pois deixou cair a saia e rapidamente substituiu a camisa por uma pequena camiseta de meia de seda que lhe chegava até o meio das nádegas.

Mesmo sem querer, tive que admirar-lhe as pernas bem-feitas, as coxas grossas, torneadas e muito claras, a basta pentelhada castanho-escura e – com quanta raiva o confesso! – o seu traseiro, amplo, macio, gelatinoso.

Ah! se eu tivese um cu daqueles, era feliz! Era impossível que meu titio, tendo ao seu dispor um cagueiro daqueles, pudesse vir a gostar da minha modesta bunda! Quanto ciúmes eu tive da tia naquela noite!

Parece que a leitura do tal livrinho produziu alguma coisa em titio. Ele principiou a olhar de vez em quando para a mulher, estendida de papo para o ar sobre o leito; depois passou várias vezes a mão pela altura da pica.

Finalmente levantou-se, num momento tirou toda a roupa e caminhou para a cama.

Oh! Céus! Eu então pude ver, com toda a dureza que uma tesão completa lhe dava, os vinte e cinco centímetros de nervo com que a Natureza o brindara. Que porra!

Grande, rija, grossa, com uma chapeleta semelhante a um pára-choques da Central e fornida dum par de colhões que devia ter leite para uma família inteira.

Ele chegou-se ao leito, começou a beijar a esposa nos olhos, na boca, no pescoço, nos seios e depois, quando a sentiu tão arreitada como ele estava, afastou-lhe as belas coxas, trepou para cima do leito e eu, do meu observatório, vi aquele primor de pica deslizar suavemente e sumir-se todo pelo cono papudo da titia, que auxiliava a entrada do monstro fazendo um amestrado exercício de quadris, a suspirar, a gemer, a vir-se, no mais completo dos gozos, na mais correta das fodas.

Não quis ou não pude assistir ao resto da cena. Eu tinha uma sensação esquisita no cu, parecia que as pregas latejavam. Mais tarde vim a saber que isso era tesão na bunda.

Corri para o meu quarto, fechei-me por dentro, atirei para longe a camisola, que me incomodava e, tendo arrancado a vela do castiçal, tentei metê-la pelo cu acima a ver se me acalmava. Fui caipora; as arestas da bugia machucavam-me o ânus e não a deixavam entrar.
Passei uma noite horrível.

Personalidade: Caio Fernando Abreu

caio fernando abreu

Quando eu nasci em 1959, Caio Fernando Abreu tinha 11 anos de idade. Se estivesse vivo teria hoje 69 anos. Faleceu em 1996 no mesmo dia da morte de Mario de Andrade, 51 anos depois.

Caio viveu pouco e intensamente. Ao deixar este mundo aos 48 anos, o escritor gaúcho que se tornou conhecido com o livro Morangos Mofados, passou pelo existencialismo, pelo movimento beatnik, Woodstook, geração hippie, golpe militar, desilusão contemporânea e pelo fantasma da Aids, até encerrar sua existência no jardim, fazendo aquilo de que mais gostava: cuidar das plantas. Sobre sua vida pessoal e amorosa pouco se sabe, mas isso não importa.

Entre suas principais obras, Morangos Mofados, livro de contos em que aborda questões como a morte, a sexualidade e a solidão, temas comuns às suas obras.

Caro leitor, a seguir a cronologia desta personalidade que fez parte da minha juventude e da vida adulta. Vale a pena gastar um tempo e ler este resumo da vida e obra do Caio.

CRONOLOGIA

1948 – Caio Fernando Loureiro de Abreu nasce no dia 12 de setembro de 1948, em Santiago do Boqueirão (RS), cidade fronteiriça com a Argentina.

1954 – Com seis anos de idade, Caio escreve seus primeiros textos.

1963 – Caio se muda para Porto Alegre para cursar o colegial.

1966 – Seu primeiro conto, “O Príncipe Sapo” é publicado na revista Cláudia. Inicia a escritura do primeiro romance Limite Branco.

1967 – Começa o curso de Letras e Arte Dramática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não conclui nenhum dos cursos. Dedica-se ao jornalismo.

1968 – Após seleção em um concurso nacional, muda-se para São Paulo para integrar a primeira redação da revista Veja. Recebe menção honrosa do Prêmio José Lins do Rego para o conto Três tempos mortos.

1969 – Recebe o Prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de escritores (UNEB) para a coletânea de contos Inventário do irremediável. Participa da antologia de autores gaúchos Roda de fogo.

1970 – Publica pela editora Movimento o livro Inventário do irremediável.

Caio Fernando Abreu, década de 1970 (Arquivo Pessoal)
Caio nos anos 1970

1971 – Caio se muda para o Rio de Janeiro para ser pesquisador e redator das revistas Manchete e Pais e Filhos, do grupo Bloch Editores. Ele retorna para Porto Alegre onde é preso por porte de drogas.

1972 – É redator do jornal Zero Hora e colaborador do Suplemento Literário de Minas Gerais. Recebe o prêmio do Instituto Estadual do Livro para o conto Visita que será publicado posteriormente na coletânea O ovo apunhalado.

1973 – Viaja para a Europa onde se sustenta exercendo vários tipos de trabalho como modelo, faxineiro ou lavador de pratos. O livro O ovo apunhalado receba menção honrosa do Prêmio Nacional de Ficção.

1974 – De volta ao Brasil, ele trabalha em Porto Alegre com o grupo teatral Província como ator na peça Sarau das Nove às Onze. Escreve para o teatro. Colabora com diversos veículos de imprensa, inclusive com a imprensa alternativa para Opinião, Movimento, Ficção, Inéditos, Versus, Paralelo, Escrita.

1975 – O livro O ovo apunhalado sofre vários cortes da censura e é reconhecido pela Veja como um dos melhores livros do ano. Sua peça Pode ser que seja só o leiteiro lá fora, primeiramente intitulada Uma visita ao fim do mundo, recebe o Prêmio Leitura do SNT.

1976 – Trabalha como crítico teatral na Folha da Manhã. Participa das antologias Assim escrevem os Gaúchos e Teia.

1977 – Publicação de Pedras de Calcutá e participação na antologia História de um Novo Tempo.

1978 – Muda-se para São Paulo onde trabalha como redator da revista Pop. Participa da Antologia de Literatura Rio-Grandense Contemporânea.

1980 – Recebe o Prêmio Status de Literatura para o conto Sargento Garcia.

1981 – Torna-se editor da Leia Livros.

1982 – Lançamento de Morangos Mofados pela editora Brasiliense.

1983 – Muda-se para Rio de Janeiro para colaborar com a revista Isto é. Publica Triangulo das águas.

1984 – Primeira encenação, com direção de Luciano Alabarse, da peça Pode ser que seja só o leiteiro lá fora, em Porto Alegre, no Clube da Cultura. O livro Triângulo das águas ganha o prêmio Jabuti.

1985 – Volta para São Paulo onde trabalha como editor da revista A-Z. Escreve um roteiro para a série de TV Joana Repórter estreada por Regina Duarte. Morangos mofados é adaptado para o teatro e encenado por Paulo Yutaka.

1986 – Trabalha como redator no Caderno 2 do Estado de São Paulo. Em Porto Alegre a adaptação teatral de Morangos mofados é encenada por Luciano Alabarse.

1987 – Escreve a peça teatral A maldição do Vale Negro em colaboração com Luiz Artur Nunes. Escreve o roteiro do longa metragem de Sérgio Bianchi intitulado Romance.

1988 – Publica Os dragões não conhecem o paraíso. Trabalha novamente como redator para a revista A-Z. Lançamento de Mel & girassóis pela editora Mercado Aberto.

1989 – Recebe o Prêmio Molière junto com Luiz Artur Nunes pela autoria do melodrama A maldição do Vale Negro. Publicação do primeiro livro infantil As frangas pela Editora Globo.

1990Publicação do romance Onde andará Dulce Veiga? pela Companhia das Letras.
Em Londres, tradução para o inglês do livro Os dragões não conhecem o paraíso sob o título de Dragons…, é publicada pela editora Boulevard Books e traduzido por David Treece.

1991 – Em Paris é traduzido sob o titulo: Les dragons ne connaissent pas le paradis, pelas edições Complexe e é traduzido por Claire Cayron. Onde Andará Dulce Veiga? recebe o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor romance do ano.1990 – Publicação do romance Onde andará Dulce Veiga? pela Companhia das Letras.
Em Londres, tradução para o inglês do livro Os dragões não conhecem o paraíso sob o título de Dragons…, é publicada pela editora Boulevard Books e traduzido por David Treece.

1992 – Morou três meses na França, em Saint-Nazaire, como escritor/residente na Maison des Écrivains et des traducteurs Étrangers (MEET), onde ele escreve a novela Bien loin de Marienbad.

1993 – Realiza leituras de sua obra, em Amsterdam, Utrecht e Haia na Holanda. Participa, em Berlim, do Congresso Internacional de Literatura e Homossexualidade Em Milão, lança, em italiano, de Dov’è Finita Dulce Veiga?, pela editora Zanzibar, traduzido por Adelina Aletti. Representa o Brasil na III Interlit, Encontro Internacional de Escritores, em Erlangen, na Alemanha, junto dos escritores Rubem Fonseca e Sonia Coutinho. Leituras de sua obra em Erlangen, Nüremberg e Berlim. Escreve crônicas dominicais no jornal o Estado de São Paulo.

1994 – Reedição pela editora paulista Siciliano do seu primeiro romance Limite Branco. São lançados no Salão do Livro de Paris: Qu’est devenue Dulce Veiga?, publicado pelas edições Autrement; Bien loin de Marienbad, publicado pelas edições Arcane 17 e L’Autre voix, publicado pelas edições Complexe. Todos são traduzidos por Claire Cayron.
O autor retorna da França e anuncia, explicitamente, na crônica publicada no jornal O Estado de S. Paulo “Última carta para além dos muros”: “Voltei da Europa em junho me sentindo doente. Febres, suores, perda de peso, manchas na pele. Procurei um médico e, à revelia dele, fiz O Teste. Aquele. Depois de uma semana de espera agoniada, o resultado: HIV Positivo.”
Leitura dramática de seu monólogo teatral O homem e a Mancha, no primeiro Porto Alegre em Cena.
O autor volta a morar com os pais e a partir de outubro torna-se colaborador do caderno Cultura do jornal Zero Hora. Em Amsterdam lança de Waar zit Dulce Veiga?, traduzido por Maartje de Kort. Participa da 46° Feira Internacional do Livro de Frankfurt que tem o Brasil como pais-tema. Lança na Alemanha de Waas Geschach Wirklich mit Dulce Veiga?, traduzido por Gerd Hilger.

1995 – É escolhido pela Câmara Rio-Grandense do Livro para ser patrono da 41° Feira do Livro de Porto Alegre. Participa da antologia The Penquim Book of International Gay Writing com o conto Beauty (Linda, uma história horrível), traduzido por David Treece. Em maio, é publicada pela editora Sulina a antologia de textos Ovelhas Negras. Em setembro, na Itália, as edições Zanzibar publicam Molto Lontano di Marienbad, com tradução de Bruno Parsico. Reedição do seu primeiro livro de contos completamente reformulado, sob o título Inventario do irremediável.

1996 – Em 25 de fevereiro, Caio Fernando Abreu faleceu em Porto Alegre, aos 47 anos. Ovelhas Negras recebe o Prêmio Jabuti de melhor livro de contos do ano.

“Nos últimos tempos, quando não conseguia mais escrever, ele ia para o jardim cuidar das rosas. Ia cuidar da vida: tirar da terra a vida – e o Caio morrendo. Fazer desabrochar a flor – e o Caio morrendo. Num planeta enfermo como o nosso, num país, numa sociedade onde impera a boçalidade, a volúpia materialista, foi magnífico contar com o Caio.”
Lygia Fagundes Telles, em homenagem ao amigo quando ele partiu.