Vida gay no Catar

Caro leitor, em época de Copa do Mundo de Futebol vale registrar como é a vida gay fora do Brasil. Eu já escrevi sobre como se vive em outros países sendo homossexual, as comunidades, os bares e points. Estes artigos começaram em 2010, justamento na Copa do Mundo da Africa do Sul.

O Catar é um país predominantemente muçulmano e como tal a homossexualidade é reprimida em toda a sociedade. Na capital Doha ou em qualquer outra cidade, tais como Lusail, Al Wakrah, Mesaieed, enfim, não existem locais de frequência dos gays, por lá se vive no anonimato e na clandestinidade.

Alguns poucos bares em hotéis para turistas e até aplicativos de encontros são usados para tentar achar alguém para sexo gay, mas sobre os olhares sempre vigilantes da sociedade e da polícia local. É realmente muito difícil ser gay e viver neste país.

Para ilustrar este texto eu reproduzo aqui um artigo publicado originalmente pela BBC, com matéria de Norberto Paredes sobre um gay catariano.

Caro leitor, o artigo é longo, mas vale a leitura.

Pensei que me matariam: a história do primeiro gay do Catar a sair do armário

Nas Mohamed teve que manter a homossexualidade em segredo por muitos anos para sobreviver no Catar, país onde nasceu, apesar de “saber disso desde pequeno”.

“Lembro que eu tinha uns 11 ou 12 anos e já pensava nisso, mas não sabia o que realmente significava ser gay”, diz ele, que hoje tem 35 anos, em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

“Não tinha acesso a nada. Não tinha internet, não tinha comunidade gay na minha cidade e não estava exposto a nada. Não entendia o que estava acontecendo comigo.”

Inicialmente, ele decidiu ignorar e reprimir quaisquer pensamentos relacionados a sexo e sua orientação sexual.

Preferiu se concentrar nos estudos da faculdade de medicina e na religião; era uma pessoa “extremamente religiosa”, que sabia o Alcorão de cor.

Assim, ele passou sua adolescência e os primeiros anos da vida adulta — durante os quais teve apenas de ignorar os conselhos de que deveria arrumar uma esposa.

“Muitos de nós somos pressionados a nos casar muito jovens, às vezes antes dos 20 anos. Para mim, o mais difícil foi tentar resistir à pressão ao meu redor para me casar”, revela.

“Tinha que dar uma boa razão para não querer me casar, para que não suspeitassem.”

Foi durante uma viagem a Las Vegas, aos 22 anos, que ele confirmou que era “definitivamente” gay. Em uma boate LGBT+, ele se sentiu realmente livre pela primeira vez.

“Percebi que não tinha nenhum tipo de tendência ou desejo de fazer sexo heterossexual. Fiquei em choque. Comecei então a ler e aprender mais sobre mim e o que significava ser homossexual”, diz ele.

Mas depois de voltar ao Catar, ele teve de reprimir completamente o desejo sexual que havia despertado nele.

“Eu vivia com um medo constante. Pensei que me matariam se soubessem que sou gay, se isso se tornasse público. Os crimes de honra são muito tribais no Catar. Algumas famílias fazem isso, outras não, e o governo tenta não intervir.”

Ao terminar a graduação em 2011, aos 24 anos, Nas tomou a decisão de se mudar “temporariamente” para os Estados Unidos, onde passaria três anos fazendo residência para concluir sua formação profissional como médico.

Nunca mais voltou.

Após concluir sua residência em um hospital em Connecticut e uma bolsa de pesquisa no Estado da Pensilvânia em 2015, ele solicitou asilo na Califórnia, dizendo que seria perseguido em seu país por causa de orientação sexual.

Mas antes de pedir asilo, ele ligou para os pais para explicar por que não voltaria ao Catar.

“Confessei a eles que era gay e que não me sentia seguro em casa, que não achava que poderia voltar. Tivemos uma grande briga e depois conversamos mais algumas vezes, mas nunca acabava bem”, explica Nas.

Ele conta que, infelizmente, o relacionamento com os pais terminou naquele primeiro telefonema.

“Por tradição e vergonha, imagino que eles inventaram uma história para o resto da família. Não sei o que contaram a eles, mas acho que agora todos sabem o verdadeiro motivo da minha saída, graças às minhas entrevistas.”

Nas Mohamed ganhou notoriedade em 2022, depois de falar publicamente sobre sua homossexualidade.

Muitos deram a ele o título de “1º catariano a sair publicamente do armário”, depois de conceder entrevistas a diferentes meios de comunicação.

Ele explica que decidiu sair do armário agora justamente porque a Copa do Mundo, que acontece agora no Catar, colocou os holofotes sobre este país e sobre todas as denúncias de abusos de direitos humanos e de minorias que são regularmente reportadas no Estado árabe.

Ser gay no Catar

Nas afirma que não saiu do armário para contar sua própria história, mas para tornar conhecida a de todos os membros da comunidade LGBT+ no Catar.

“É muito perigoso sair do armário quando você é catariano, e estou me preparando para isso há meses”, completa.

Ele conta que, por meio do seu trabalho recente como porta-voz da comunidade LGBT+ no Catar, percebeu o quão grande é a comunidade em seu país natal.

Mas todos ocultam sua sexualidade e têm medo de falar sobre o assunto ou confessar a alguém.

Segundo ele, isso acontece porque a polícia do Catar tem uma equipe dedicada a “caçar” pessoas LGBT+ — e quando encontram um membro da comunidade, pegam seu telefone e vasculham seus contatos para tentar localizar outros.

“Conheço gays que nem sequer sabem que outras pessoas próximas ao seu círculo são (gays), pois é muito perigoso para uma pessoa LGBT+ conhecer outra.”

Ser gay é ilegal no Catar.

De acordo com o artigo 296 do seu código penal, as penas para relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo variam de 3 a 5 anos de prisão a até pena de morte — embora não haja provas de que penas de morte tenham sido aplicadas para relações sexuais consensuais realizadas de forma privada entre adultos do mesmo sexo.

Nas afirma que dentro da comunidade gay do Catar reina a censura e nada é transparente, mas ele garante que nem todos vivem sob as mesmas condições.

“Há pessoas LGBT que vivem bem. São uma minoria de sorte, porque são muito ricas, com famílias muito grandes, e são aceitas a partir do princípio que tem que ser um segredo de família.”

Mas ele acrescenta que até mesmo estas pessoas vivem com muitas limitações em relação ao que podem fazer — e algumas costumam ter problemas de saúde mental.

“Muitos de nós não tivemos a mesma sorte, e coisas horríveis aconteceram conosco.”

‘Minha própria família me mataria’

O governo dos EUA concedeu asilo a Nas em 2017 após uma intensa batalha judicial.

Desde 2015, ele fez de San Francisco sua casa e diz que nunca poderia voltar ao Catar.

“Sem dúvida alguma me maltratariam na chegada. Acho que minha própria família me mataria pelo que estou fazendo. Há pessoas me dizendo no Instagram que, se eu pisar lá, vão me ajudar a conhecer Alá”, afirma.

Ele acrescenta que também pode ser processado pelo governo do Catar por “infringir a lei”.

Nas espera que sua história sirva para informar muita gente sobre o quão “atrasada” a sociedade do Catar é em termos de liberdades e direitos da comunidade LGBT+.

E faz um apelo aos estrangeiros que visitarão o Catar durante a Copa do Mundo para que não se escondam, pois insiste que a visibilidade é importante.

Ele também espera que isso sirva para que outros catarianos gays e transexuais tenham histórias documentadas para mostrar como evidência, se planejam buscar asilo em outros países onde possam viver livremente.

“Somos uma população que precisa de ajuda e apoio. O que está acontecendo no Catar não afeta apenas os catarianos, mas a comunidade LGBT+ em todo o mundo”, observa.

“Precisamos que nossos direitos sejam universalmente respeitados, que onde quer que formos sejamos tratados com igualdade e como seres humanos com direitos, não como criminosos. Precisamos de mais vozes.”

Memória gay

Caro leitor, as transformações políticas e sociais não nos permitem ver o quanto o passado foi importante para as comunidades LGBT.

Eu me recuso a aceitar o discurso queer, pois os jovens gays mal sabem as dificuldades que sofremos da segunda metade do século XX para cá.

Mesmo vivendo numa metrópole, eu me lembro da minha juventude difícil na escola, no bairro onde morei, na igreja e dentro de casa. Eram tempos difíceis e eu era invisível para todos e para mim mesmo.

Eu não vivi uma mentira, a mentira me fez viver confinado no armário da sexualidade. Os gays nascidos após o ano 2000, não conhecem a história das lutas contra o sistema e a sociedade patriarcal brasileira. Eles desconhecem palavras como sapatão, sapata, boiola, pederasta. Os gays de hoje não são viados ou bichas, eles se autodenominam QUEER.

Apesar de serem apenas rótulos, eles se esquecem que queer também é um rótulo, moderninho e americanizado.

A memória gay brasileira esta quase esquecida porque a tecnologia em vez de mostrar as lutas e conquistas dos homossexuais masculinos, femininos e trans, cega e faz com que os mais jovens nem procurem saber porque hoje eles tem tanta liberdade. O sistema ainda não mudou completamente porque a sociedade é moldada tijolo a tijolo.

Os gays maduros e idosos sabem tudo o que aconteceu e quais foram as transformações, mas ainda assim eles ficam calados porque não adianta falar com os mais jovens. Não somos exemplo de nada para os queers.

Há alguns dias eu assisti à minissérie Contos de São Francisco e pude perceber a diversidade dos gays da atualidade, suas vivências e seus dramas são completamente diferentes dos meus. Eles não aceitam compartilhar os seus problemas e buscam solução em redes sociais e no Google, como se isso fosse fácil de resolver em quinze minutos.

A nossa memória está apenas nos livros de sociologia ou psicologia. Também, os territórios de frequência gays dos anos 1970 a 1990 mudaram completamente ou se extinguiram das cidades. Os espaços se renovaram e não existem mais referências.

Há de se considerar também a AIDS como memória, porque a juventude gay de hoje não faz ideia o que foi isso entre os anos 1980 e 2000. As perdas de amigos e pessoas queridas foram imensuráveis.

Nesta semana eu tomei conhecimento do fechamento do Museu da Diversidade de São Paulo no dia 29 de abril por decisão judicial. Enquanto a briga judicial não termina, não há museu. É a história sendo jogada para debaixo do tapete. O fechamento ocorreu por ação do deputado estadual Gil Diniz, um filho da puta de direita que se disse incomodado com a destinação da verba anual para o museu que não representa nada para a sociedade.

Vivemos num país onde 1/3 da população apoia um desgoverno de ultra direta, homofobico e conservador, portanto, não podemos esperar dias melhores e tudo está sombrio e sem expectativas de um futuro para os cidadães LGBT.

Quanto aos gays idosos nem dá para prever alguma coisa que nos permita viver socialmente e nos misturar à corrente de gays da atualidade. Eu me sinto deslocado deste tempo e tento a qualquer custo fazer isso não parecer uma tragédia, mas não vejo uma luz no fim do túnel. A cada ano a situação fica mais difícil e as memórias que nos guiaram desaparecem lentamente no horizonte.

As memórias gay não estão apenas confinada num museu, elas existiram nos bares da Vieira de Carvalho no centro de São Paulo, nos inferninhos da Canuto do Val e no Largo do Arouche. Existiram também em todas as grandes cidades do Brasil. Nas lutas dos movimentos sociais, nos jornais e revistas como Lampião da Esquina ou G Magazine.

A lembrança dos policiais extorquindo viados e travestis não pode ser esquecida, das brigas e porradas, cabeças sangrando no calçadão da Cinelândia no Rio de Janeiro. Enfim, a memória gay brasileira se esvai entre a pegação nos aplicativos de relacionamento e a necessidade premente de se viver intensamente como se hoje fosse o último dia de vida.

Sair do armário foi um erro

Caro leitor, assumir a homossexualidade é questão individual e afeta diretamente as questões sociais e os vínculos familiares.

Sair do armário traz uma questão social importante, mas em seu núcleo a atitude é meramente individual. Daniela Mercury ao declarar seu amor disse: “Sou apaixonada por Malu, pelo Brasil, pelas liberdades individuais. Eu acho que conquistas a gente não pode esquecer”.

Nesta frase, ela diz o ponto central de assumir sua sexualidade, as tais liberdades individuais. É uma questão do indivíduo, é ele quem deve decidir o momento certo, de abrir aos outros algo que ele é de seu íntimo, que é ligado ao seu desejo e só ao desejo dele e de mais ninguém.

Não existe nada mais desrespeitoso do que forçar alguém a sair do armário. Durante um passado não muito distante, uma parte da militância teve um péssimo hábito, bem mal educado de retirar a força famosos do armário. Nada mais rude.

Vivemos tempos sombrios e enfrentamos ataques de conservadores, evangélicos e extremistas. As conquistas da população LGBT correm riscos diante da intolerância do atual governante deste país.

Um amigo saiu do armário em 2008. De lá para cá muita coisa mudou na sua vida. Perdeu o emprego e nunca mais conseguiu se recolocar no mercado de trabalho. Há alguns anos vive de trabalhos como autônomo. Mudou-se para longe da família porque não houve aceitação. Enfim, voltou para o armário com o parceiro.

Obviamente, pode ser um caso isolado, mas as barreiras sociais são grandes problemas que precisam ser considerados na hora de sair do armário, porque nem tudo são flores!

Sair do armário é um erro quando as circunstâncias não são favoráveis porque cada ser humano tem uma história. Também, assumir a homossexualidade não é um erro quando o indivíduo sabe como enfrentar as situações decorrentes da ação. É uma nova vida com muitas variáveis instigantes para viver bem, com ou sem companheiro.

O erro quando assume a homossexualidade está em achar que tudo será mais fácil quando na verdade é a partir daí que a vida muda completamente para melhor ou pior.

Os gays mais velhos e que estão com a vida resolvida, estão optando por sair do armário porque o momento atual é propício às liberdades individuais.

Quem vive em cidades pequenas ou no interior tem dificuldades para se assumir porque algumas variáveis locais complicam a situação e muitos preferem não arriscar para não se arrepender depois.

Os jovens são mais propensos a se assumir porque querem fazer parte de uma nova ordem mundial, além de querer a libertação eles buscam se aceitar principalmente no colégio e faculdade onde são mais cobrados por seus colegas.

Também, uma vez que se assume a homossexualidade não tem mais como voltar atrás.