Parada gay 2023

Caro leitor, mais um ano e mais uma parada em São Paulo.

A cada ano tenho a impressão de que a parada está o mais do mesmo há quase uma década. O evento é ótimo para o turismo na cidade.

Sábado circulando nos arredores do Largo do Arouche percebi dezenas talvez centenas de turistas vindos do interior e de outros estados que aproveitam o feriado prolongado para curtir as atrações e points da cidade.

Nos últimos três dias o ABC Bailão ferveu com filas virando a esquina durante toda a madrugada.

Agora também tem um bar ao lado do Bailão chamado Venesto Bar Clube inaugurado em 2023 e que já atraí uma legião de frequentadores.

Na Parada de hoje atrações como Pablo Vitar, Daniela Mercury e outros artistas mais novos agitarão a tarde paulistana.

O tema deste ano é sobre políticas sociais para a população LGBT, mas é óbvio que há décadas essas políticas são apenas miragens, principalmente para os gays idosos.

Há 23 anos eu acompanho este evento e posso afirmar que já foi melhor. Hoje existe muita insegurança e muitos assaltos e todo cuidado é pouco 🙄

Num domingo de sol na cidade, eu vejo poucos maduros e idosos, prevalecem jovens fantasiados a caminho da avenida Paulista.

Mas ainda assim sempre vale a pena celebrar a diversidade 🏳️‍🌈 🏳️‍🌈

Gay é o viado de ontem e de hoje

Há muito tempo os próprios gays ressignificaram a palavra viado e adotaram outros termos para defini-los, mas mesmo depois de quase um século ou mais, a palavra ainda faz parte do vocabulário homofóbico dos heterossexuais, crianças, jovens e adultos.

“Coisa de viado”, ainda é muito usado em comentários em rodas de conversa e nas mesas de bar. “Para de viadagem”, também é uma derivação comum, assim como atribuir a qualquer ação que fuja do estereótipo de machão como sendo de bicha, boiola, baitola etc.

É uma brincadeira, ensinada desde cedo nas escolas e cujo objetivo foi e continua sendo minimizar o que foge à regra da masculinidade tradicional. Aprende-se sobre o “viadinho” desde cedo. Não há um consenso sobre como o animal veado passou a representar homossexuais no português brasileiro. Alguns acreditam que seja por associação às palavras “transviado” ou “desviado” (aquele que foge à normalidade).

Alguns registros em livros acadêmicos indicam que viado tem a ver com policiais do Brasil colonial e o hábito que tinham de perseguir veados e viados, ambos os grupos correndo dos oficiais “aos saltos”. A versão mais popular, entretanto, dá conta de que o veado representa a 24ª dezena no jogo do bicho e, por isso, seria associado aos homens gays.

Se você, assim como eu, demorou anos para entender por que o numero 24 corresponderia a algo gay, a resposta é “simples”: a sonoridade do número se assemelha a “vim de quatro”, algo que, na cabeça dos heterossexuais, parece ser atribuída única e exclusivamente a gays. Existe ainda a noção de que o 11 tenha efeito parecido, uma vez que simbolizaria “um atrás do outro”. Ainda assim, só o 24 tem desempenhado esse papel na cultura brasileira de forma tão forte que é igualmente recusado por jogadores de futebol e por pessoas que, por anos, não aceitam utilizar este número.

Os gays da minha geração e os mais jovens acreditam que as pessoas conservadoras, evangélicas que defendem a família e Deus é quem mais viola os direitos dos gays. Isso você vê em rede social sem nenhum filtro. Mas, a sociedade brasileira tanto conservadora como progressista são preconceituosas contra as minorias e viado é dito sem nenhum pudor. Ao ouvir a pronúncia da palavra tenho sempre a impressão de quem fala é uma pessoa sem educação.

Eu me recordo que na época da ditadura já na década de 1970, muitos ativistas de esquerda lutavam contra a opressão de classes e consideravam homossexualidade como um produto decadente da burguesia, que sumiria com o socialismo. As lutas de pautas identitárias eram vistas como secundárias, ao que fragmentava as classes trabalhadoras e desviava o propósito maior e o viado não podia aparecer nas lutas.

Caro leitor, eu estive na Rússia e desde a época de Joseph Stálin até os dias atuais o tratamento aos gays ainda há muito a ser feito apesar de poucos progressos, nossos direitos não foram só colocados em segundo plano como amplamente violados. Tanto lá como aqui viado é viado.

Enquanto a direita acena pautas como “ideologia de gênero” e “kit gay” para barganhar nossos direitos em troca de apoio eleitoral, grande parte de quem se diz da esquerda também parece manter malabarismos teóricos e colocam demandas da comunidade LGBT como secundárias.

O objetivo deste texto não é tanto implicar com o emprego do termo “viado”, que assim como outras expressões semelhantes já foi há muito ressignificadas pelos próprios gays, mesmo que quando dito por pessoas de fora da comunidade LGBT ainda carregue um sentido inegavelmente pejorativo. Mas até que ponto estamos condenados a aceitar que piadas homofóbicas sejam ditas e repetidas ao longo da história? Até quando estaremos em segundo plano, seremos motivo de risada ou parâmetro de desmerecimento?

Durante algum tempo eu nunca me importei com os termos pejorativos aplicados aos gays, mas com o passar dos anos tudo ficou muito chato e sem sentido, até mesmo todos os tipos de homofobia, principalmente as verbais.

Da mesma forma que precisamos ser antirracistas em uma sociedade que teima em insistir no genocídio da população negra, para mudarmos os tristes números de violência contra a comunidade LGBT, também precisamos lutar contra todos os preconceitos. E isso inclui ter a coragem de repreender o emprego de termos como “viadinho” ou “coisa de viado”. Veja, atualmente os baianos resgatados em Bento Gonçalves sofreram com xenofobia.

Este texto surgiu depois de acompanhar as redes sociais, principalmente, o Twitter que é um repositório de negações onde todos se agridem e se ofendem, onde todos estão com a razão e o ódio impera em mais de 80% das contas particulares. Todos se sentem no direito de criticar, poucos apoiam idéias e a minoria como os gays são humilhados publicamente porque ser viado não lhes dá o direito de defesa.

Aos 64 anos percebo que pouca coisa mudou e o gay é o viado de ontem que continua sendo o viado de hoje.

Diversidade e inclusão

“mas eu não posso ser contra? É a minha opinião!¨

Eu tenho visto muitas pessoas confundirem preconceito com opinião. Para ajudar vou direto ao ponto.

Vamos supor que você, sendo homem, perceba que sente atração por outros homens também. Você tem TODO O DIREITO de achar isso errado e não se relacionar com outros homens.

Eu (Regis) concordo? Não, pois acho uma agressão a você mesmo. Mas respeito, porque o seu direito individual não impede que eu viva a minha sexualidade.

Agora, a partir do momento que a sua opinião retira meu direito de viver o que qualquer outra pessoa heterossexual vive, aí é preconceito.

Para ficar mais didático:

Sua opinião tira meu direito de casar com outro homem? Impede que um filme mostre um casal como eu? Restringe meu direito de adotar?

Então não é opinião é preconceito.

Você pode não concordar com esta imagem do post, por exemplo, mas se isso restringir apenas a sua vida.

Se somos parte da mesma sociedade, então precisamos ter acesso aos mesmos direitos.

Nota: O casamento da foto foi do Pedro e do Erick, viu? Ainda não é o meu, mas Beyoncé há de me ajudar 😂😂

NOTA: Texto publicado originalmente no LinkedIn