Eu sempre brinco com o meu companheiro. Digo pra ele: Você é a minha família.
Eu ainda tenho pai vivo e alguns irmãos, mas eu prefiro manter-me distante deles e faço visitas eventuais.
Depois de mais de 30 anos eu aprendi a viver minha vida longe da família. Nessas três décadas eu colecionei outras pessoas que substituíram os parentes. Assim, eu posso afirmar que tenho uma família gay. Ela não é grande e se resume a duas ou três pessoas – Pra mim isso basta para eu ter uma vida boa e ser feliz.
Na verdade eu criei uma segunda família para não ficar sozinho e porque o gay precisa socializar e manter vínculos afetivos com pessoas com os quais tem afinidades – Isso é família.
Uma família gay se resume a duas pessoas do mesmo sexo e sem filhos. Hoje muitos casais já batalham para adoção de crianças, mas enquanto isso não acontece, a família cresce apenas quando outro gay é incorporado ao grupo. Seja um amigo próximo, um vizinho ou um parente autêntico que aceita a sexualidade de um dos membros do grupo. Tem também, aquele gay mais velho que num grupo restrito de amigos se permite ser chamado de “tia” ou “tio”. Não é pejorativo.
Nesta época de Natal as famílias se reúnem para festas e troca de presentes. Nesses dias muitos gays fazem exatamente o que todas as famílias, tradicionalmente, estão acostumadas a fazer – A Ceia de Natal, encontros para um bom papo e réveillon com a sua “família gay”.
Sempre ouvimos ou lemos que os gays são sozinhos, solitários, depressivos, excluídos, abandonados e isso pode até ser verdade, mas existe uma parcela de gays, principalmente, maduros e idosos que estão socializando, se enturmando e criando os seus vínculos familiares.
Ontem à noite o meu vizinho veio me visitar. Ele tem 75 anos, é gay e mora sozinho. Como ele mesmo diz: Estou momentaneamente só, estou dando um tempo. Ele tem uma vida plena e muito ativa. Se você procura-lo em casa não vai encontrar porque ele está sempre socializando. Faz trabalho voluntário, frequenta academia, faz hidroginástica e vive circulando por cinemas e teatros de São Paulo. Basta uma dica de lazer e lá vai ele com a sua turma “gay” de idosos – uma verdadeira família!
Bem, o motivo da visita foi porque ele preparou um pão de natal e veio compartilhar comigo. Isso é gratificante porque nos une não apenas pela amizade, mas de uma forma muito intima e familiar.
O que falta para melhorar os nossos vínculos sociais e afetivos é não termos medo. Veja, você não precisa sair do armário para ser feliz. Basta viver uma vida normal. O mundo mudou, mas na nossa cabeça ainda vivemos reprimidos. O medo se instalou de uma forma tão profunda que muitos gays não conseguem se libertar.
Socializar faz bem e ajuda a combater o medo. Socializando vemos o mundo de outra forma, aprendemos como viver uma vida normal sem neuras e aos poucos criamos os alicerces de uma família gay.
A família gay é um novo modelo que ganha maior visibilidade. Hoje temos chefes de família gay, o que acentua a polêmica sobre princípios morais que são usados para educar uma criança. Hoje é comum ouvir que o “seu pai é gay”.
O dia-a-dia dos gays é muito diferente dos discursos ferinos, caricatos e debochados do orgulho gay. O outrora orgulho de estar à margem de valores da sociedade pejorativamente tradicional teria sido substituído pela “caretice hetero familiar”?
Para entender melhor o que eu escrevi neste post eu recomendo a você ler After de Ball, um livro de Kirk & Madsen, os geniais ideólogos de Harvard do movimento gay masculino americano.