A geração gay dos 80´s

Caro leitor, os anos 1980 foram marcados por mudanças radicais no mundo e naquela onda a epidemia da aids devastou toda uma geração.

Falar em costumes daqueles anos é como voltar ao passado para relembrar os melhores anos da infância ou da adolescência .

Por exemplo, na época da minha adolescência já existia uma geração de gays descolados, mais velhos e eles eram conectados às tendências e badalações que surgiam a cada dia.

Da ferveção das baladas da disco music, os gays sabiam as melhores músicas e tinham conhecimento da moda e todos serviram de modelo para mim e a minha geração.

Com o passar dos anos me questionei por onde andavam essas pessoas e ao longo do tempo percebi que a maioria morreu por conta do HIV, além do sumiço decorrente do envelhecimento. É triste, mas a velhice traz consequências sociais indesejadas.

A questão de não se sentir mais confortável em certos lugares e ambientes. Assim, como toda a sociedade aquela comunidade também foi atingida por não estar mais nos padrões de beleza e de consumo.

Eu sou da geração dos 80, porque naquela década eu vivi entre os meus vinte e poucos anos, a juventude à flor da pele e uma novidade em cada esquina.

Qual seria a relação dos anos 80 com a comunidade gay? Talvez seja pelas cores exóticas e acessórios marcantes, ou ainda quem sabe, por ser uma década de livre expressão, na qual as pessoas mostravam com orgulho seus pensamentos e atitudes, longe de barreiras e farsas. Se a palavra gay significa alegre, com certeza os anos 80 foram os mais gays de todos!

Bem mais do que marcar uma época, os anos 80 foram e ainda são considerados uma década de ouro. O que para muitos não passa de cultura inútil, brega, trash, seja como for à expressão utilizada, para outros é a história de uma vida, época de fazer e acontecer! De fato, o que sabemos hoje é que sendo modismo ou não, a geração 80 marcou território e muito longe de acabar, pelo jeito esta moda veio pra ficar. Bom para matar as saudades desta década cult e gay total!

Hoje aos 64 anos eu paro e penso bastante naqueles tempos, não é saudosismo, é saber que eu pertenci aquela época, não teve igual e dificilmente haverá igual no futuro.

Não havia o individualismo de hoje e ninguém queria um minuto de fama, os gays queriam ferver ao vivo e em cores nas baladas, nos bares e points. Não existia telefone celular e cada um se virava nos trinta para fazer contatos com amigos. Os orelhões eram os pontos para contatos com os mais afortunados que tinham um telefone fixo em casa.

Não existia Uber e os poucos taxistas que se aventuravam na noite gay paulistana eram figuras que faziam parte do cenário. Não existia a insegurança dos dias atuais. Hoje ao sair de casa corre-se o risco de não voltar. Lembro-me das incontáveis noites que começavam às 20 horas e terminavam com o raiar do dia.

É óbvio que nem tudo eram flores, mas era melhor e mais humano! Hoje falta humanidade, apego, carinho e a coisa mais linda, simplicidade.

Para o jovem gay da periferia de São Paulo, os finais de semana eram sinônimo de liberdade e festa. A sexta-feira era um brinde à vida, assim retratada no filme da Donna Summer, Até que enfim é sexta-feira. Os finais de semana eram esperados em São Paulo, Nova York ou Paris.

Recentemente, li um livro do pesquisador Rafael Bazo Junior, sobre histórias de gays do interior paulista dos anos 80.

Idealizado pelo pesquisador Rafael essas histórias se tornaram o livro: Diversidade Sexual, Cultural e de Gênero no Interior Paulista dos anos 80, que busca resgatar as vivências dos jovens daquela época, relembrando o processo de aceitação, apoio ou rejeição da família, o surto da aids e busca por diversão e acolhimento

Do trabalho do Rafael foi feito um documentário que você pode assistir a seguir:

Filme: Divinas divas

Conheça a primeira geração de artistas travestis do Brasil. Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios formaram o grupo que testemunhou o auge da Cinelândia no Rio de Janeiro repleta de cinemas e teatros.

Um documentário de Leandra Leal muito sensível e verdadeiro. Esta disponível no Netflix. Vale muito assistir porque o Brasil é um pais sem memórias.

O filme é de 2016, mas nunca é tarde resgatar a memória LGBT brasileira 👍🏼

Memória gay

Caro leitor, as transformações políticas e sociais não nos permitem ver o quanto o passado foi importante para as comunidades LGBT.

Eu me recuso a aceitar o discurso queer, pois os jovens gays mal sabem as dificuldades que sofremos da segunda metade do século XX para cá.

Mesmo vivendo numa metrópole, eu me lembro da minha juventude difícil na escola, no bairro onde morei, na igreja e dentro de casa. Eram tempos difíceis e eu era invisível para todos e para mim mesmo.

Eu não vivi uma mentira, a mentira me fez viver confinado no armário da sexualidade. Os gays nascidos após o ano 2000, não conhecem a história das lutas contra o sistema e a sociedade patriarcal brasileira. Eles desconhecem palavras como sapatão, sapata, boiola, pederasta. Os gays de hoje não são viados ou bichas, eles se autodenominam QUEER.

Apesar de serem apenas rótulos, eles se esquecem que queer também é um rótulo, moderninho e americanizado.

A memória gay brasileira esta quase esquecida porque a tecnologia em vez de mostrar as lutas e conquistas dos homossexuais masculinos, femininos e trans, cega e faz com que os mais jovens nem procurem saber porque hoje eles tem tanta liberdade. O sistema ainda não mudou completamente porque a sociedade é moldada tijolo a tijolo.

Os gays maduros e idosos sabem tudo o que aconteceu e quais foram as transformações, mas ainda assim eles ficam calados porque não adianta falar com os mais jovens. Não somos exemplo de nada para os queers.

Há alguns dias eu assisti à minissérie Contos de São Francisco e pude perceber a diversidade dos gays da atualidade, suas vivências e seus dramas são completamente diferentes dos meus. Eles não aceitam compartilhar os seus problemas e buscam solução em redes sociais e no Google, como se isso fosse fácil de resolver em quinze minutos.

A nossa memória está apenas nos livros de sociologia ou psicologia. Também, os territórios de frequência gays dos anos 1970 a 1990 mudaram completamente ou se extinguiram das cidades. Os espaços se renovaram e não existem mais referências.

Há de se considerar também a AIDS como memória, porque a juventude gay de hoje não faz ideia o que foi isso entre os anos 1980 e 2000. As perdas de amigos e pessoas queridas foram imensuráveis.

Nesta semana eu tomei conhecimento do fechamento do Museu da Diversidade de São Paulo no dia 29 de abril por decisão judicial. Enquanto a briga judicial não termina, não há museu. É a história sendo jogada para debaixo do tapete. O fechamento ocorreu por ação do deputado estadual Gil Diniz, um filho da puta de direita que se disse incomodado com a destinação da verba anual para o museu que não representa nada para a sociedade.

Vivemos num país onde 1/3 da população apoia um desgoverno de ultra direta, homofobico e conservador, portanto, não podemos esperar dias melhores e tudo está sombrio e sem expectativas de um futuro para os cidadães LGBT.

Quanto aos gays idosos nem dá para prever alguma coisa que nos permita viver socialmente e nos misturar à corrente de gays da atualidade. Eu me sinto deslocado deste tempo e tento a qualquer custo fazer isso não parecer uma tragédia, mas não vejo uma luz no fim do túnel. A cada ano a situação fica mais difícil e as memórias que nos guiaram desaparecem lentamente no horizonte.

As memórias gay não estão apenas confinada num museu, elas existiram nos bares da Vieira de Carvalho no centro de São Paulo, nos inferninhos da Canuto do Val e no Largo do Arouche. Existiram também em todas as grandes cidades do Brasil. Nas lutas dos movimentos sociais, nos jornais e revistas como Lampião da Esquina ou G Magazine.

A lembrança dos policiais extorquindo viados e travestis não pode ser esquecida, das brigas e porradas, cabeças sangrando no calçadão da Cinelândia no Rio de Janeiro. Enfim, a memória gay brasileira se esvai entre a pegação nos aplicativos de relacionamento e a necessidade premente de se viver intensamente como se hoje fosse o último dia de vida.